Indústria automotiva precisa questionar qual será o seu papel no futuro

 

Por *Valter Pieracciani

É ao mesmo tempo doloroso e instigante constatar que a indústria de automóveis, uma das mais importantes da história, precise se reinventar. Sofre múltiplas ameaças o berço de relevantes avanços da gestão e, consequentemente, do desenvolvimento da sociedade. Mudanças socioculturais, novas tecnologias e soluções eletrônicas de baixo custo colocam em xeque o automóvel e o que ele sempre representou para muitos de nós.

Em agosto, aconteceu em São Francisco, na Califórnia, o Singularity University Global Summit 2017, evento que reuniu cerca de 1.500 dos maiores líderes e estudiosos de inovação do mundo. A Singularity University é um polo promotor de inovação e de mudanças globais. Entre seus patrocinadores estão Google e NASA.

Trata-se de uma escola diferente daquelas em que eu, e provavelmente você, leitor, estudamos. De maneira inovadora, a instituição trabalha para acelerar o desenvolvimento de líderes e empreendedores que resolverão os problemas do mundo fazendo uso de tecnologias exponenciais, aquelas que proporcionam crescimento vertiginoso de empresas e negócios. Alguns exemplos: inteligência artificial, nanotecnologia, robótica e biologia digital.

Duas dentre as muitas lições que se pode extrair do evento falam diretamente, a meu ver, com a reinvenção da indústria automotiva. Como pesquisador no campo da inovação, sugiro que olhemos para elas na busca por caminhos que nos levem a encontrar um novo significado para o automóvel. São dois conceitos expressos pelo craque da inovação Peter Diamandis, co-fundador e chairman da Singularity University:

O que antes era atribuição do governo, atualmente empresas podem fazer. O que antes era algo reservado às empresas, atualmente qualquer pessoa pode fazer.

Com o avanço da tecnologia, nossa capacidade de liderar mudanças e nosso alcance estão se ampliando. Somos muito mais poderosos do que nossos pais e avós no que se refere ao impacto que podemos causar em nossa comunidade e, por que não, no mundo. As possibilidades e transformações se tornaram mais rápidas. Quase não existe limite ao que podemos imaginar e fazer. Nos tornamos todos super-homens capazes de realizar o que no passado eram apenas sonhos presentes em desenhos animados. Se tínhamos a ideia de que transporte de massa é foco do setor público, que fabricar automóveis é coisa da indústria organizada e que carros dizem respeito à propriedade e a indivíduos, estávamos bem enganados….

A tecnologia nos torna mais inteligentes

A inteligência artificial saiu do campo conceitual e está sendo aplicada diretamente em soluções concretas, como na medicina. Por meio de enormes bancos de dados e máquinas capazes de processar sofisticados algoritmos em nanossegundos é possível fazer diagnósticos, disparar comandos, identificar mudanças de comportamento e alavancar centenas de vezes a produtividade. Em alguns serviços e rotinas de nosso dia a dia, já não sabemos mais ao certo se estamos interagindo com máquinas ou seres humanos. Como no filme Ela (2014), de Spike Jonze, no qual Theodore, um escritor solitário, desenvolve uma relação especial com o novo sistema operacional do seu computador e acaba se apaixonando por uma entidade intuitiva e sensível chamada Samantha que era, na verdade, apenas a voz do programa.

Uma verdadeira explosão de redes e sensores nos tornará parte de algo muito maior. Ainda não sabemos bem o que será, mas já intuímos que superará a nossa mera dimensão de indivíduos. A previsão é que haja 5 bilhões de mentes se conectando nos próximos anos. Saberemos de tudo, a qualquer hora e em qualquer lugar.

Diante de transformações tão importantes, é bom que nos perguntemos: Como vamos nos deslocar? Dentro de que tipo de veículo? Com qual nível de interação? E, principalmente, que papel restará nessa nova realidade aos automóveis que construímos hoje? Enquanto não encontramos as respostas, podemos ir pensando em dotar nossos veículos de sons e sensações capazes de despertar paixões em seus usuários. Criar verdadeiros elos entre os proprietários e as nossas “Samanthas”, fortes o suficiente para que não consigam viver sem elas. Justificando, talvez agora e em uma nova escala, a máxima de que brasileiros são apaixonados por carros.

 

* Valter Pieracciani é sócio-diretor da Pieracciani Desenvolvimento de Empresas, engenheiro, administrador, mestre em administração de empresas e pós-graduado em administração industrial. É autor dos livros Qualidade não é mito e dá certo e Usina de Inovações – Guia Prático para Transformação de sua empresa.